domingo, 15 de abril de 2007




Sentou-se no mesmo lugar onde há mais de 20 anos se sentava. Do mesmo saco, já tantas vezes roto e cosido, retirou o velhinho caderno de apontamentos.Amarelecido do tempo. As páginas, essas, ainda sobravam para outros 20 anos.
Os óculos grandes de massa preta tapavam-lhe o olhar. Num gesto delicado, aproximava-se todos os dias, à mesma hora, daquela mesa, no topo da cidade. Num só movimento puxava a cadeira. O empregado, um velho conhecido, pousava na mesa um café. Curto, em chávena escaldada.
Seguia-se o ritual. uma espécie de culto, de magia, de tradição ou apenas um movimento rotineiro.
Puxava de um cigarro e de um fósforo. Sempre o acendera com fósforo, que depois apagava com o seu sopro forte.
A chávena pequena segurava-a na palma da mão. Aos poucos, em pequenos tragos, saboreava-o enquanto o cigarro ardia.
Com todos o vícios satisfeitos, puxava do caderno e num gesto já tantas vezes repetido colocava-o em cima da mesa. Escrevia a lápis, nunca a caneta. E era nesse momento que ganhava vida, mesmo que essa vida significasse 20 anos de espera.

1 comentário:

Sonia Martins disse...

Na verdade, o que é o "tempo"?
Pelo tamanho da nossa visão da vida, o tempo reduz, diminui, desvaloriza algo pleno e infinito; aliás, tantos conceitos que nos são incutidos ao longo da vida para que nos escravizemos a uma estéril pequenez como as palas que metem nos animais que apenas com a pureza da alma é que conseguimos realmente vislumbrar...a verdadeira beleza da VIDA!

;-)